DUALIDADES
João Chamiço
E uma mesma força que nos une, e nos separa,
Como uma mesma onda que nos embala e arrasta.
Dentro do mesmo homem, a nobreza e a avareza
O mesmo Deus que nos protege e nos desampara,
E uma mesma mente crê e duvida da certeza.
São os mesmos ventos que varrem velas e convés
Que impelem as caravelas e que afundam as Galés,
Ou uma paixão, que sendo passageira não passa,
Ou uma mesma luz que nos guia e que nos cega.
Ou para uma mesma fortuna a mesma desgraça
Tal qual a mesma mãe que, parindo, também renega.
Numa só alma, coabitam temor e pecado
E são as mesmas, as bocas que blasfemam e rezam.
Um corruptor que compra e ao mesmo tempo é comprado
E um só Universo que é matéria e antimatéria
E a noite e o dia, que num só dia se revezam,
Na mesma Terra, a mesma abundância, a mesma miséria.
O mesmo Sol que sustenta a vida, sustenta a morte
E de quanto júbilo nasce às vezes a angústia,
E em qualquer jogo existe sempre o azar e a sorte,
E a frustração e o pódio, na mesma competição.
No mesmo tolo, a imbecilidade e a astúcia,
E do melhor amigo, a confiança e a traição.
Nos versos de um só fado, há um sorriso e um pranto
Nos mesmos olhos, gotas de choro e de exultação
E num silencio, como num estrondo, o mesmo espanto.
Na mesma vaga há mansidão, e há mar em espuma,
E em sonhos diversos reside uma só ilusão
E muitos enigmas, e muita coisa e coisa alguma.
Os mesmos lábios, soltam o beijo e o impropério
E o mesmo homem, tanto se apaixona como odeia.
A mesma flor, cabe num jardim ou num cemitério.
Ou a mesma dor, que de tanto doer já não dói
Ao moleiro, a quem só farelos restam p’rá ceia
E o mesmo raio, alumia os destinos que destrói.
Um vulcão expele o fogo, e a água que o suprime.
Dentro de um erudito, pode existir um labrego
E é próprio dos vadios exibir um ar sublime.
Dentro de qualquer pessoa, pode haver um Pessoa e outra pessoa,
E quantas vezes aquele que mais vê é o mais cego,
E um choro, pode ser de riso ou ser de algo que doa.
E quantas e quantas, outras mais dualidades haverão?
Se calhar, nem na vida de mil homens se contariam
Nem pelos dedos que têm os mil homens em cada mão.
Não haveria enciclopédia capaz de as conter
E muito menos, todas, neste poema caberiam,
Nem toda a tinta da Terra daria p’rás escrever.
Em 2008-03-12
João Chamiço