O PALHAÇO
João Chamiço
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João Chamiço
João Chamiço
Não há nada de nobre em sermos superiores ao próximo. A verdadeira nobreza consiste em sermos superiores ao que éramos antes.
(Autor desconhecido)
A sabedoria é um adorno na prosperidade e um refúgio na adversidade.
(Aristóteles)
João Chamiço
Que estranha, é esta alegria
Salpicada assim de mil cores
Em primaveras de fantasia
Onde as fragrâncias e as flores
São botões de novos amores
Como pétalas inseguras
Que têm pavores das alturas
Imploram obséquios ao vento
E deslizam em desalento
Orvalhos de lágrimas puras.
Ritmos e cadências velozes
E os corações alvoroçados
Transidos os membros e as vozes
Soltam gritos silenciados
Nos soluços angustiados
E choros feitos de ternuras
De flores agrestes e puras
E lábios rubros de sorrisos
E nos olhares imprecisos
Orvalhos de lágrimas puras.
Que verdades nem sempre ditas
Por entre roseirais se somem?
Se, quando incertezas malditas
São os espinhos que as consomem?
De amores novos, exaltação
Lava intensa de vulcão
Que ateia a mil graus formosuras
Ardentes de riso e pecados
Todos eles já perdoados
Orvalhos de lágrimas puras.
F. Januário (pseudónimo)
João Chamiço
Já vi mulheres ciganas Disfarçar paixões secretas Já vi brancas africanas Chorar na Rua das Pretas. Já vi pretas africanas Nascidas cá em Lisboa Vestindo saias tricanas Fadistas da Madragoa. Já vi mulheres chinesas De olhos em bico nascidas Também elas portuguesas Todas eram parecidas. Vi indianas de Goa De olhar negro e profundo Insondáveis de Lisboa Cidadãs de todo o mundo. Vi mulheres de profetas Não contar pras profecias Metidas em vestes pretas Que dão ar de noite aos dias. Brancas, mulatas, judias Índias do Brasil e pretas Todas aleitando as crias Sem pudor de suas tetas. |
Como azeitonas maduras De olhos verdes já vi moiras Cor de esperanças vindouras. Vi mulheres que eram freiras Consortes só do Senhor Cansadas de amar solteiras Tomarem segundo amor. Mulheres de rei bandido Presas e executadas Tão só por terem perdido Encantos que tem as fadas. Já vi princesas tribais Negras, de olhos cor dos céus Mutiladas em rituais Do diabo, não de Deus. Vi mulheres rezar terços Só não as vi dizer Missa Mas já as vi dizer versos Em que a rima era; chiça! Já vi mulher promovida Por favores ao patrão Já a vi mudar de vida Dizer basta! Dizer não! Jo |
João Chamiço
Por cá volvesse algum dia
Sem ver cão nem ver pastor
Nem meninos de sacola
Nem professores nem escola
Certamente morreria.
Dom Sancho, era seu nome
E vasta a sua visão
Povoador o seu cognome.
Em manhãs de nevoeiro
Antes Dom Sancho primeiro
Que el-rei Dom Sebastião.
Talvez que assim o país
Volte a ficar povoado
Como el-rei sempre quis,
E os meninos de sacola
Possam voltar à escola
Num Portugal habitado.
E os Condes e os Barões
Dessa burguesia puta,
Trazem no ventre ambições
De falsos republicanos;
Filipes, reis castelhanos
De um país à la minuta.
Este país é um fado
Sempre a pender pra um lado.
Sem praia que tenha pé
Não há vento nem maré
Que traga Sancho Primeiro.
João Chamiço
João Chamiço
João Chamiço
Os abutres poisavam na rua
E os cães, há muito que ladravam.
No ar, já sobravam os latidos,
O ar tresandava a carne crua;
Os lobos, há muito que uivavam
E havia rebanhos distraídos.
Sei bem que te apetece chorar
Quando os sonhadores e os profetas
Cedem a passagem aos sendeiros.
Sei bem que te apetece sonhar
Se esmorecem sonhos de poetas
E as lesmas se arrastam nos carreiros.
E os cães, há muito que ladravam
E havia um caudal que engrossava
E já se via o mar em frente.
E havia rios que transbordavam
E a torrente que desaguava
E este mar, era um mar de gente!.
Eram muitos, mais que um milhão
E este mar, era um mar de gente!.
No ar os versos em turbilhão
Ao novo alvorecer premente.
E os cães, há muito que ladravam.
João Chamiço
"Os cães" havia muito que ladravam. Incomodavam-nos os pequenos "pingos de chuva" que começavam a cair nos pátios privativos dos seus donos. Os minúsculos, os insignificantes "pingos de chuva", começaram a multiplicar-se, os regatos passaram a riachos, os riachos a ribeiras, e as ribeiras apressaram-se a correr para o rio engrossando cada vez mais o caudal que no início era quase inexistente. Na foz do rio, lá à frente, já se vislumbrava o mar; mas este era um mar diferente, era um mar de gente, mais de um milhão, que espontaneamente se lançaram no caudal daquele rio que começara com meia dúzia daqueles "pingos de chuva" que tanto incomodaram os "cães e que, tanto os fizeram ladrar.
Porém, os animais, mesmo os mais ferozes, mesmo os mais agressivos e arreigados defensores do território, também eles são por vezes acometidos de grande cobardia, quando as condições atmosféricas se alteram e a dimensão do caudal os assusta ao ponto de se irem enfiar na palha da casota caladinhos que nem ratos.
Achamos até que, é caso para se poder dizer: se um só Alegre, assusta muita gente, um milhão de alegres assustam muito mais, e o caudal do rio nunca mais vai diminuir, e os "cães nunca mais vão ladrar por essa razão". Cuidado portanto; que as "dentadas, essas irão ser nos calcanhares".
João Chamiço
Palmilhei a cidade a pé
Procurei com todo o cuidado
E o testemunho aqui deixo,
Que há na cidade de Loulé
Um homem de bronze talhado
Chamado de António Aleixo.
É como se ele ali estivesse
Sentado na sua cadeira
Também ela de bronze feita,
E a sua pena escrevesse
A sua rima derradeira
Na sua quadra mais perfeita.
Como que em busca de uma fonte
Sobre algumas paixões secretas;
De olhar fixo no horizonte
Como se houvesse olhos de ver
Nas estátuas de alguns poetas.
Corri a cidade em demanda,
Não do corpo que Deus lhe deu
Mas da memória que ali anda;
Foi poeta, teve o condão,
O homem, esse faleceu
A alma do poeta, não.
Morreu ao chegar da maré
Assim se cumpriu o seu fado,
Meu testemunho aqui deixo;
Que há um poeta em Loulé
E um homem de bronze talhado
Ambos são: António Aleixo.
Escrito em Loulé, 2005-05-02
João Chamiço