DO TEMPO DA OUTRA SENHORA
João Chamiço
Sei que se lavrou certidão
Da data do meu nascimento
No tempo da outra senhora,
Mas recordo-me desde então
Que nunca, em nenhum momento
Desse tempo guardei penhora.
Ainda assim quero expressar
Que ser tratado assim, aceito
Se for nobre a intenção,
Porém, posso desconfiar
Que indecoroso conceito
Desonra a minha certidão.
Sou do passado e do presente
De olhos postos no há-de vir,
Trago sonhos novos de agora
Sonhados desde antigamente
Quando era proibido sorrir
No tempo da outra senhora.
Mas sei que há doenças sem cura
Que tenho com toda a certeza
E vou ter pela vida fora;
A paixão pla nossa cultura
E pela língua portuguesa
Do tempo de qualquer senhora.
Não esqueço Humberto Delgado
Nem os da mesma convicção
Desses que nos faltam agora.
Foi pela Pide assassinado
Mas não dizia a certidão
Do tempo da outra senhora.
Uso as novas tecnologias
Sem saudosismo pacóvio
Na crista do tempo a cavalgar,
Sem desmedidas euforias
Tenho por verdade, o óbvio
Diariamente a mudar.
Preocupa-me a natureza
O lixo e a poluição
De ontem, de amanhã e de agora,
Sou fanático da defesa
Das nossas matas no Verão
De antes da outra senhora.
Se alguém razão poderá ter
Interrogo-me eu então
Depois do que aqui se descreve,
Como pode alguém sem saber
Enxovalhar-me a certidão?
Claro que pode, mas não deve.
Estou vigilante às mudanças
Que o comboio não se detêm
Mas tem de ser encaminhado,
Pra que amanhã novas crianças
Sejam defensoras do bem
Por outras antes semeado.
Olho em frente, sei de onde venho
Sem poluição me apresento
Trago energia aliciadora
E que ricas jazidas tenho,
Sou filho do sol e do vento
Do antes da outra senhora.
Mas quantos há, que pese embora
Serem de um tempo aquém daquele
Ao invés da mentalidade,
São do tempo da outra senhora
Mas sem terem sabido nele
Qual o preço da liberdade.
Devem fazer introspecção
E a sua mente bem cuidar
Quem pensa que o tempo demora,
Lesto, à própria certidão
Indeléveis sinais vai dar
De um tempo de outra senhora.
F. Januário