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Aqui, no OBSERVANTES, têm lugar privilegiado:

A poesia, os sonhos e a utopia. A critica incisiva às realidades concretas de Portugal e do mundo baseadas na verdade constatada e só nela. "A verdade nunca é injusta; pode magoar, mas não deixa ferida". (Eduardo Girão)

Aqui, no OBSERVANTES, têm lugar privilegiado:

A poesia, os sonhos e a utopia. A critica incisiva às realidades concretas de Portugal e do mundo baseadas na verdade constatada e só nela. "A verdade nunca é injusta; pode magoar, mas não deixa ferida". (Eduardo Girão)

28.02.06

GRITO NEGRO


João Chamiço

Grito Negro 


Eu sou carvão!


E tu arrancas-me brutalmente do chão


E fazes-me tua mina, patrão.


Eu sou carvão!


E tu acendes-me, patrão,


Para te servir eternamente como força motriz


Mas eternamente não, patrão.


Eu sou carvão


e tenho que arder sim;


Queimar tudo com a força da minha combustão.


Eu sou carvão;


Tenho que arder na exploração


Arder até às cinzas da maldição


Arder vivo como alcatrão, meu irmão,


Até não ser mais a tua mina, patrão.


Eu sou carvão.


Tenho que arder


Queimar tudo com o fogo da minha combustão.


Sim!


Eu sou o teu carvão, patrão.


 


                                                    José Craveirinha


                                                (Poeta Moçambicano)


 

28.02.06

A VIDA


João Chamiço

Um poeta algarvio, não do litoral mas da meia-encosta - S. Bartolomeu de Messines - nascido em 1830 e falecido em 1896, de seu nome João de Deus Ramos, escrevera “A VIDA”, elegia que talvez seja a sua obra-prima. Transcrevemos alguns trechos dessa elegia:


 


A vida é o dia de hoje,


A vida é ai que mal soa,


A vida é sombra que foge,


A vida é nuvem que voa;


A vida é sonho tão leve


Que se desfaz como a neve


E como o fumo se esvai;


A vida dura um momento,


Mais leve que o pensamento,


A vida leva-a o vento,


A vida é folha que cai!


 


A vida é flor na corrente,


A vida é sopro suave,


A vida é estrela cadente,


Voa mais leve que a ave;


Nuvem que o vento nos ares,


Onda que o vento nos mares,


Uma após outra lançou.


A vida - pena caída


Da asa de ave ferida -


De vale em vale impelida

A vida o vento a levou!
28.02.06

O ARRUMADOR


João Chamiço

É como um polícia sinaleiro


Executa sinais bem treinados,


E fica na mira do dinheiro


Neste negócio não há fiados.


 


Do utente, que paga a cobrança


Um encolher de ombros conformado,


É assim que se escusa a vingança


P’ra que o carro não surja riscado.


 


Aborda-nos com ar de simplório


No rosto, as infâncias não tidas,


Mente a quem lhe diz a verdade,


 


As fronteiras do seu território


Têm regras por ele definidas,


Ele é dono de toda a cidade.


 


F. Januário

26.02.06

O MOLEIRO


João Chamiço

O Moleiro

Vai o moleiro enfarinhado

Terminada a jornada de um dia

E vai o seu burro carregado

Com o leve peso da maquia.

 

Roda sem descanso a sua mó

Que em farinha, transfigura o grão,

De onde vai nascer o fino pó

Que um dia há-de vir a ser pão.

 

Subindo as veredas do outeiro,

Na companhia do seu jumento

Lá vai solitário, o moleiro,

 

À noite, quando adormece só

Voa p'ra longe, o seu pensamento

Solto do rodar da sua mó.

F. Januário

25.02.06

ESCULTOR


João Chamiço

Nasce esbelta, a linda figura,


Nem o escultor estava à espera,


Arrancada da rocha impura


Que só às mãos do mestre se altera.


 


É como um retrato de donzela


Que a pedra escondia até então,


E que pouco a pouco se revela


Como se em tela pintada à mão.


 


Esculpe uma figura qualquer


Que às vezes, o cliente encomenda,


Às vezes um corpo de mulher.


 


Tem pesadelos em que resiste


A por a nova peça à venda,


Quando ela, em seus sonhos existe.


 F. Januário

24.02.06

DO TEMPO DA OUTRA SENHORA


João Chamiço

Sei que se lavrou certidão


Da data do meu nascimento


No tempo da “outra senhora”,


Mas recordo-me desde então


Que nunca, em nenhum momento


Desse tempo guardei penhora.


 


Ainda assim quero expressar


Que ser tratado assim, aceito


Se for nobre a intenção,


Porém, posso desconfiar


Que indecoroso conceito


Desonra a minha certidão.


 


Sou do passado e do presente


De olhos postos no há-de vir,


Trago sonhos novos de agora


Sonhados desde antigamente


Quando era proibido sorrir


No tempo da outra senhora.


 


Mas sei que há “doenças sem cura”


Que tenho com toda a certeza


E vou ter pela vida fora;


A paixão p’la nossa cultura


E pela língua portuguesa


Do tempo de qualquer senhora.


 


Não esqueço Humberto Delgado


Nem os da mesma convicção


Desses que nos faltam agora.


Foi pela Pide assassinado


Mas não dizia a certidão


Do tempo da outra senhora.


 


Uso as novas tecnologias


Sem saudosismo pacóvio


Na crista do tempo a cavalgar,


Sem desmedidas euforias


Tenho por verdade, o óbvio


Diariamente a mudar.


 


Preocupa-me a natureza


O lixo e a poluição


De ontem, de amanhã e de agora,


Sou fanático da defesa


Das nossas matas no Verão


De antes da outra senhora.


 


Se alguém razão poderá ter


Interrogo-me eu então


Depois do que aqui se descreve,


Como pode alguém sem saber


Enxovalhar-me a certidão?


Claro que pode, mas não deve.


 


Estou vigilante às mudanças


Que o comboio não se detêm


Mas tem de ser encaminhado,


P’ra que amanhã novas crianças


Sejam defensoras do bem


Por outras antes semeado.


 


Olho em frente, sei de onde venho


Sem poluição me apresento


Trago energia aliciadora


E que ricas jazidas tenho,


Sou filho do sol e do vento


Do antes da outra senhora.


 


Mas quantos há, que pese embora


Serem de um tempo aquém daquele


Ao invés da mentalidade,


São do tempo da outra senhora


Mas sem terem sabido nele


Qual o preço da liberdade.


 


Devem fazer introspecção


E a sua mente bem cuidar


Quem pensa que o tempo demora,


Lesto, à própria certidão


Indeléveis sinais vai dar


De um tempo de outra senhora.


 


F. Januário

22.02.06

ARCO ÍRIS


João Chamiço

ARCO ÍRIS


 


Há num firmamento escuro


Um arco íris nos céus;


E é nele que procuro


As íris dos olhos teus.


 


Enigmas que o mundo tem


Tão difíceis de entender,


É quando chove que alguém


Ergue os olhos p’ra te ver.


 


Se um extremo fosse meu,


Aquele que beija o chão


Com cores da cor dos lírios,


 


O outro seria teu,


Que é lá que o meu coração


Tem tormentos e martírios.


 


João Chamiço



2006-02-21


Em Algarve

19.02.06

DO CASTEO ONDE SOU REI


João Chamiço

Sou senhor de todas as torres


Do castelo onde sou rei


Só não sou dono das flores


Que fora dele plantei.


 


Tenho capelas douradas


E mesquitas p’ra rezar


Mas nem mouras encantadas


Minhas preces vêm escutar.


 


Por coincidência maldita


Sou dono de tanta riqueza


Mas não da flor mais bonita


Que há na minha fortaleza.


 


De nada me serve ter trono


Nem de um castelo ser rei


Se não puder ser o dono


De um coração que eu cá sei.


 


F. Januário

18.02.06

PASTORES DA SERRA


João Chamiço


Vi quando os pastores subiam


Muito acima do nevoeiro


Em busca de novos pastos;


E das brumas ressurgiam


Quando os nevões em janeiro


Lhes dissipavam os rastos.


 


Sabem de cor os vales sombrios


E os fantasmas que neles moram


Desde os tempos da criação;


Sabem de pastos e pousios


E das serranas que só choram


Quando é de sobra, a razão.


 


Já conhecem as alcateias


Que moram em morada incerta


Como os pastores e rebanhos,


E que vêm de noite às aldeias


Que é quando a fome mais aperta,


Jantar-lhes os chibos e anhos.


 


Mas quando o sol dissolve a neve


Ao pastor faz falta subir


E redescobrir o caminho,


Esboça um sorriso breve


Como não tem a quem sorrir


Aprendeu a sorrir sozinho.


 


Sabem de cor cada vertente


E as ilusões que ali madrugam


Que têm silhuetas de cão;


E dos olhos discretamente


Mulheres serranas que enxugam


Primaveras de solidão.


 


João Chamiço

18.02.06

QUANDO


João Chamiço

Quando as dunas taparem os dois hemisférios


Quando já não se ouvirem pintassilgos nem pardais


Quando as cearas se enrouparem de cemitérios


Quando já não te acenarem os demais,


  


Quando as aves não voarem, porque as mataste


Quando os rios não correrem, porque os bebeste


Quando os peixes não nadarem, porque os castraste


Quando as árvores perecerem, porque cortaste o último cipreste


 


Quando apenas tu, restares sobre esta ilha


Poderás possuir tudo aquilo que restar,


Quando já não houver quem te exija partilha


Do nada, que terás então p´ra partilhar.



 


João Chamiço

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